3 de agosto de 2009

Ruth Arons e São Mamede

A primeira Junta de Freguesia de S. Mamede democraticamente eleita (1976-1979) era composta por 5 membros e a distribuição por partidos correspondia aos resultados das eleições e de acordo com o sistema de Hondt:

Eram do PS a Presidente (eu), o Tesoureiro e o 2º vogal; o Secretário era do CDS e o 1º Vogal do PCP. Era tudo gente democrática e bem intencionada, de modo que nos entendíamos bastante bem e resolvíamos os assuntos quase sempre por consenso... até aos últimos meses do nosso mandato, em que por desistência do Tesoureiro (por motivos políticos), a Assembleia votou que o seu substituto tinha que ser do PSD e apareceu-nos um rezingão antipático!...

A princípio, nenhum de nós sabia bem qual era o nosso papel e tivemos que nos orientar pelas indicações do escriturário e da funcionária para os serviços exteriores que "herdámos". Eram boas pessoas e o resto fomos aprendendo aos poucos. Ainda nem sequer tinha saído a respectiva legislação, mas com o andar dos tempos foi-se tudo organizando.

Os primeiros problemas:

1 – As instalações

A Junta estava instalada num 2º andar na Rua Barata Salgueiro e era velha, escura e o resto do prédio estava desabitado. Soubemos depois que o dono do Hotel Altis contíguo queria comprar prédio para alargar o hotel. Na procura de novas instalações encontrei a antiga Fábrica de Tecidos de Seda, no Jardim das Amoreiras, que estava desocupada e consegui convencer o então Presidente da Câmara, Eng. Aquilino Ribeiro Machado (uma simpatia!) que seria ideal para a Junta. Ainda visitei as instalações (aliás, completamente degradadas) com o Arquitecto Duarte Nuno Simões (PS) e sonhámos com a instalação de um centro para 3ª idade, creche, jardim infantil, biblioteca, etc. etc. O dono do Hotel prontificou-se a pagar a instalação da Junta.... mas, entretanto acabou o nosso mandato. (Seguiram-se Juntas PSD/CDS) – a nova Junta chegou a instalar-se na Fábrica restaurada (pessimamente) pelo dono do Hotel e... apareceu a vontade expressa da pintora Vieira da Silva de instalar a sua Fundação e Museu neste edifício tão bem localizado e bonito ficando a minha sucessora na Junta com um grande problema.

2 – As verbas disponíveis

Ninguém sabia qual a verba de que poderíamos dispor para o funcionamento da Junta: aluguer, ordenados, material, e para podermos actuar e ser úteis à população. Também não sabíamos quando nos iriam enviar dinheiro. O funcionário também dizia que não o sabia e cheguei a não ter dinheiro para pagar ao pessoal que nós herdáramos e não podíamos despedir... Quem me valeu foi um velho amigo e camarada que dispunha então de um "saco azul".
Tudo isto só começou a ficar organizado passados meses e com a aprovação e publicação da nova legislação. Mas, mesmo assim, o dinheiro era sempre pouquíssimo e levei meses a conseguir encomendar um painel para afixação dos editais da Junta (não havia nenhum!). Aliás, os membros da Junta não eram pagos e os eventuais táxis para as reuniões da Assembleia Municipal ou outras eram pagos do nosso bolso.

3 - A população

Naquela altura só se dizia "o povo". A assistência às reuniões públicas mensais da Junta e às Assembleias de Freguesia era bastante grande e as pessoas intervinham com interesse – nada como nos dias de hoje! Era o lado mais estimulante e interessante da actividade autárquica. As pessoas vinham apresentar os seus problemas – na maioria dos casos tratava-se da necessidade de encontrar casa:
havia muita gente que tinha ocupado casas e, com a nova legislação, teve que as abandonar. Tivemos o apoio muito útil da assistente social, funcionária da Misericórdia de Lisboa responsável da freguesia de S. Mamede, com quem debatíamos estes problemas e procurávamos solução.
A assistente social Inês tinha um projecto para as pessoas idosas da Freguesia que era muito interessante e que nós procurámos apoiar. Mas havia, por outro lado, um projecto da Paróquia, com outros apoios... Na Assembleia de Freguesia o conjunto dos membros CDS e PPD/PSD faziam guerra aos nossos projectos – com a continuação, foram eles que venceram...

O primeiro mandato das autarquias, depois do 25 de Abril, só durou 3 anos e terminou com a entrada em vigor da nova legislação autárquica, passando os mandatos a durar 4 anos.
Nas novas eleições, o PS perdeu a maioria que deteve em S. Mamede e em muitas outras freguesias de Lisboa.

Ruth Arons (que integra a lista encabeçada por Luísa Paiva Boléo às Autárquicas 2009)
2009-07-28

2 comentários:

  1. Este texto são memórias de um tempo que os mais novos, nascidos na Democracia desconhecem. Havia certamente muito amadorismo em 1976 o que não admira porque 48 anos de ditadura, conseguiram esvasiar totalmente as competências dos órgãos autárquicos que existiam parados e sem competências concretas.
    Ruth Arons foi a primeira Presidente da Junta de Freguesia de São Mamede e este testemunho escrito de propósito para este blogue, que se quer interactivo, é a prova de que as gerações estão perto umas das outras quando os ideais permanecem inabaláveis.
    Candidato-me e Presidente em 2009, 33 anos depois de Ruth Arons, porém o espírito de generosidade e de serviço à comunidade é exactamente o mesmo.Prometo!
    Obrigada Ruth Arons pelo seu testemunho.

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  2. Ruth Arons,

    Gostei muito deste pequeno extracto das suas memórias em São Mamede.

    Muito obrigada,
    Bem haja!

    Ver Santana

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