23 de fevereiro de 2010

Nos 100 Anos da República Portuguesa

História do Hino Nacional

O HINO NACIONAL

E SEUS AUTORES

Texto de Luísa V. de Paiva Boléo (*)


A história do Hino Nacional é conhecida de muitos da minha geração, porém para os mais novos aqui fica a sua história. Recordamos as circunstâncias em que foi escrito e musicado ou melhor, musicado e escrito e as biografias dos seus autores.

Alfredo Christiano Keil nasceu a 3 de Julho 1850 em Lisboa, no palácio de Barcelinhos (hoje Armazéns do Chiado), filho de Johan Christian Keil (1820-1890), alemão de Hanôver então exilado político, em Lisboa, desde 1839 por se ter oposto à unificação alemã em curso e de Maria Josefina Stellpflug, filha de um alemão.

A. Stellpflug, com a prestigiante profissão de sapateiro de Sua Majestade Fidelíssima, El – Rei D. Fernando II (marido de D. Maria II), tinha a sua oficina na Rua do Alecrim, 20-21. A sua chegada a Portugal, segundo consta, deve-se ao naufrágio de um navio na costa portuguesa, que transportava emigrantes europeus para os EUA.

Johan Christian Keil teve um primeiro emprego como guarda-livros (contabilista) na alfaiataria de um amigo e quando este morreu, conseguiu comprá-la, agora já na Rua Ivens, 45.

Sabe-se quem eram os seus clientes pelos livros de contas.

Mestre alfaiate Christian Keil possuía duas alfaiatarias na Rua Nova do Almada e viria a ser o alfaiate do rei D. Luís e de boa parte da aristocracia e burguesia lisboeta. Porém os que requeriam os seus serviços estendiam-se a outros países, onde se contava o Príncipe de Gales – futuro Eduardo VII. Muitos clientes vinham a Lisboa mandar fazer os seus fatos, visitar a cidade e ficavam amigos deste alemão emigrado e bem relacionado internacionalmente. Johan Keil rapidamente se liga à alta finança internacional, investe em diversas bolsas e adquire uma fortuna considerável, nomeadamente em títulos e imóveis a render, em Lisboa.

O filho, Alfredo pôde assim ter uma educação de menino rico sem qualquer limitação nos seus estudos e viagens.

Desde muito novo Alfredo Keil mostrou um talento invulgar para a música, tendo, aos doze anos, escrito a sua primeira peça musical com o título Pensé Musicale, que dedicou à mãe.

Estudou no Colégio de Santo António e, em 1858, já tinha aulas de música com António Soller. Em 1860, com apenas dez anos, frequentava o Colégio Britânico, na Rua Vale de Pereiro, em Lisboa e teve lições de piano com o famoso pianista húngaro Oscar de La Cinna.

Em 1869, com 19 anos viajou acompanhado do pai, pela Europa, passando por Madrid, Paris, Genebra, Zurique, visitando museus e monumentos e acabando por ficar em Nuremberga, para frequentar a Academia Real de Belas Artes e não deixou de frequentar os espectáculos nocturnos, que por sinal não eram do seu maior agrado.

A guerra franco-prussiana, em 1870, força-o a regressar a Portugal, onde frequenta então aulas de pintura com Miguel Luppi. Teve ainda como professores de música, António Soares e Ernesto Vieira, e aulas de desenho com o professor da Academia Real de Belas Artes, Joaquim Prieto e foi por incitamento deste que, em 1878, concorreu à exposição de Paris com a tela Melancolia, que lhe valeu uma Menção Honrosa, e em 1879, recebe a Medalha de Ouro na Exposição do Rio de Janeiro.

Fernando Pamplona, no seu «Dicionário de Pintores e Escultores», refere-se nestes termos à pintura de Alfredo Keil: “o seu romantismo discreto, amável, sem exageros, temperado pelo clima realista do tempo”. E elogia a “sensibilidade de contemplativo em que se adivinha a influência de Corot”.

Alfredo Keil casou, em 1876, na igreja da Conceição Nova, com Cleyde Maria Margarida Cinatti, filha de um arquitecto e cenógrafo muito famoso na época, de nome Giuseppe Luigi Cinatti e de Maria Sara Rivolta. O casal teve quatro filhos: Joana Maria, Paulo, Guida Maria e Luís. Joana morreu criança. Paulo faleceu já adulto, sem filhos, Guida, cursou Belas Artes e foi autora da obra “Carolina Coronado poetisa romântica” (1960). Guida tinha uma personalidade forte, para uma menina da sua época. Foi protagonista de urna aventura amorosa que parecia saída da pena de Camilo Castelo Branco, quando decidiu deixar marido e dois filhos para ir viver com o homem que amava.

Curioso que o seu divórcio foi o primeiro depois de implantação de República, em 1910, e da aprovação da lei. Viria depois a casar com o amor da sua vida Francisco Coelho do Amaral. O primeiro filho, Francisco Keil do Amaral nasceu em Abril de 1910 e deu origem a uma “dinastia” de arquitectos de renome. Francisco Keil do Amaral (pai) é marido da pintora, ceramista e ilustradora Maria Keil, nascida em 1914, com quem tive o prazer de conversar há anos quando escrevi uma pequena biografia de Alfredo Keil.

O quarto filho de Alfredo Keil, Luís, seguiu também na senda das artes tendo sido Conservador do Museu Nacional de Arte Antiga, Director do Museu dos Coches e Vice-Presidente da Academia Nacional de Belas Artes. Morreu tragicamente com a mulher e a única filha num desastre de automóvel, em 1947. E assim Alfredo Keil teve como descendente apenas da filha Guida.

Compositor de paisagens e sons

Em 1874 já Alfredo recebera duas medalhas por trabalhos de pintura expostos na Sociedade Promotora de Belas Artes, a que se somaram nos anos seguintes mais prémios, nomeadamente com as telas com os temas Sesta e Meditação. Este quadro viria a ser adquirido pelo Rei D. Luís.

Em 1883 sobe ao palco no Teatro Trindade a sua ópera cómica em um acto, Susana cantada em italiano, e em 1884 escreve a cantata Pátria, seguindo-se, em 1885, o poema sinfónico Uma Caçada na Corte e, em 1886, As Orientais.

Inspirada no poema de Almeida Garrett, em Março de 1888, estreia-se a ópera, em quatro actos, Dona Branca, dedicada ao rei D. Luís, que teve trinta representações e enorme sucesso e direito a reposição no ano seguinte. Esta ópera, também em italiano, foi igualmente aplaudida do outro lado do Atlântico, no Teatro Lírico do Rio de Janeiro.

Alfredo Keil, que viajava muito e passava temporadas em Itália conseguia dividir o seu tempo entre a pintura e a composição musical. Em 1893, teve estreia em Turim a sua ópera Irene, baseada na lenda de Santa Iria. O sucesso foi enorme e o rei Humberto de Itália condecorou o compositor. Esta ópera foi, três anos mais tarde, levada à cena no Real Teatro de São Carlos de Lisboa.

Alfredo Keil trocava correspondência com compositores consagrados, nomeadamente Verdi e Massenet. Numa carta enviada a Verdi, o compositor português anexou a partitura de Dona Branca e Verdi responde-lhe, em Dezembro de 1890, apenas: «sei que a sua ópera teve um sucesso excelente no seu país e isso vale mais que uma crítica a frio de um compositor…». Já Massenet, mais entusiasmado, tece-lhe rasgados elogios.

A ópera de Alfredo Keil que mais tempo perdurou foi Serrana, a primeira com libreto em português, inspirada num romance de Camilo Castelo Branco, composta entre 1895 e 1899 e estreada com sucesso no Teatro de São Carlos, em Março de 1899. O texto é, mais uma vez, de Henrique Lopes de Mendonça. É talvez a peça musical mais conhecida, exceptuando A Portuguesa, e, no século passado, foi levada à cena mais onze vezes.

Este autor, multifacetado legou-nos também obras escritas, contos e romances dos seus verdes anos e estudos como Breve História dos Instrumentos de Música Antigos e Modernos (1904), Colecções e Museus de Arte em Lisboa (1905), Breve Notícia da Colecção Keil (instrumentos de música) (1905) e um livro editado postumamente, Tojos e Rosmaninhos.

Henrique Lopes de Mendonça nasceu em Lisboa, a 12 de Fevereiro de 1856, filho do militar António Raulino Lopes de Mendonça e de Honorata Lopes de Mendonça. Era como Alfredo Keil oriundo da alta burguesia.

Foi historiador, arqueólogo naval, professor, conferencista, dramaturgo, cronista e romancista. Entrou para a Marinha Portuguesa em 27 de Outubro de 1871 sendo promovido a Guarda-Marinha em 1 de Novembro de 1874 e a Capitão de Mar-e-Guerra em 27 de Agosto de 1909, posto no qual foi reformado em 25 de Maio de 1912. Foi professor da Escola Prática de Artilharia Naval, então instalada a bordo da famosa fragata D. Fernando II e Glória.

Em Janeiro de 1887 foi nomeado para coadjuvar o conselheiro João de Andrade Corvo na publicação dos estudos sobre as possessões ultramarinas. Casou com Amélia Bordado Pinheiro, oitava filha de Manuel Maria Bordalo Pinheiro. Tiveram três filhos. Virgínia Lopes de Mendonça (1881-1969) contista e dramaturga, Alda Lopes de Mendonça, desenhadora de rendas e Vasco Lopes de Mendonça (1881-1963), engenheiro militar, caricaturista e ceramista.

Em Agosto de 1889 foi nomeado para proceder à elaboração de uma obra onde se historiassem metodicamente os feitos da Armada Portuguesa. Como fruto dessas investigações publicou Estudos sobre Navios Portugueses dos séculos XV e XVI.

Como escritor e dramaturgo, Lopes de Mendonça iniciou a carreira em 1884 com a peça A Noiva, a que se seguiu A Morta, que foi galardoada com o prémio D. Luís I, da Academia das Ciências de Lisboa.

Entre 1897 e 1901 foi bibliotecário da Escola Naval. Passou a professor da cadeira de História na Escola de Belas-Artes de Lisboa. Em 1900 foi eleito membro efectivo da Academia das Ciências de Lisboa e em 1915, nomeado seu presidente.

Em 1916 foi agregado à comissão nomeada pelo Governo para propor as versões oficiais e definitivas para piano, canto, orquestra e banda do Hino Nacional.

Em 1922 foi nomeado presidente da comissão destinada a perpetuar a Viagem Aérea Lisboa-Rio de Janeiro. Em 1925 foi co-fundador da Sociedade Portuguesa de Autores. O Comandante Lopes de Mendonça foi ainda membro da Academia Brasileira de Letras, desde 1923, sócio do Instituto de Coimbra, membro Honorário do Clube de Londres, vogal do Conselho de Arte Dramática e membro das Comissões Oficiais dos Centenários de Cristóvão Colombo e de Vasco da Gama. Deixou escrita quase uma centena de obras teatrais, poesias, romances e estudos históricos.

ANTECEDENTES DO ULTIMATO INGLÊS

No final da Conferência de Berlim, em 26/02/1885 foi estabelecido um novo direito colonial, baseado na efectiva ocupação dos territórios e não como até então no direito histórico, que dava grandes vantagens a Portugal, único país a possuir territórios extensos e povoados como Angola e Moçambique.

Exploradores sem glória

Portugal vê-se obrigado a mandar exploradores a ocuparem a longa faixa entre as duas colónias (províncias ultramarinas). Assina duas convenções, em Maio de 1886 com a França e, em Dezembro do mesmo ano, com a Alemanha para nos apoiarem na nossa permanência, sabendo de antemão que era impossível competir com a Grã-Bretanha, em franca competição com a Alemanha de Bismark.

A extensão entre Angola e Moçambique era o equivalente à actual Zâmbia (752.620 km2), Botswana (600.372 km2) e Zimbabué (390.600 km2). Somando de forma simples são um total de 1:743.592 km2) o «coração de África» como se designou.

A exploração de Serpa Pinto (1877-1879) e de 1885-1886) parte de Angola e chega ao Zambeze e depois às cataratas de Vitória e desce até Natal.

Hermenegildo Capelo e Roberto Ivens realizam extraordinárias explorações científicas e missões de soberania com a efectivação da ocupação de uma enorme região de África ao Sul do Equador entre o Atlântico e o Índico.

Silva Porto (António Francisco Ferreira da Silva Porto (1817-01/04/1890), em 1838 instala-se em Luanda. Foi mercador, aventureiro, mete-se pelos sertões, trocando mercadorias por produtos indígenas. Tinha grande autoridade sobre os régulos. Foi capitão-mor do Bié até que o soba se virou contra Portugal. Em 1852 fez a travessia de Benguela à contra-costa e encontrou-se com Livingstone. A sua vida é extraordinária e trágica.

Desiludido, e sem compreender os novos ventos da História, envolveu-se na bandeira nacional, sentou-se num barril de pólvora a que lançou fogo, em 31/03/1890, acreditando que Deus lhe perdoaria. Escreveu 13 volumes de um Diário.

Uma nota apenas para falar a enorme importância da Sociedade de Geografia que foi fundada precisamente para apoiar estas explorações científicas e dos nossos problemas de soberania. Em 1875 é fundada e em 1894 tinha já 1600 sócios.

Mais uma vez na nossa História lutávamos contra inimigos demasiado poderosos e a nossa pequenez numérica dificilmente podia ombrear com a grandes potências que começavam então a olhar cobiçosos para as incríveis riquezas do continente africano.

Desde Leopoldo II a quem o explorador Stanley «oferece» o Congo Belga numa das mais sórdidas histórias do colonialismo do século XIX, até aos interesses de holandeses, alemães, sempre observados de perto pela Inglaterra já senhora do Cairo e do Cabo. Foi precisamente por perigarem os interesses económicos da Grã-Bretanha que Portugal teve de enfrentar o Caso do Mapa Cor-de-Rosa (A designação é literalmente por estar colorido nessa cor) logo seguido do humilhante Ultimato Inglês.

O mapa cor-de-rosa colidia com os interesses britânicos em África. O bom-senso e diplomacia ditavam um acordo, mas seria possível? O governo português não mediu a gravidade da situação.

A partir de 1888 os conflitos em África entre portugueses e ingleses eram constantes até que no dia 11 de Janeiro de 1890 a Inglaterra, através dos seus meios diplomáticos, faz chegar o texto do Ultimato.

Os que se opunham ao governo de D. Carlos afixaram à porta do Martinho da Arcada os retratos dos ministros com a legenda: «Retrato dos Traidores Vendidos à Inglaterra». As academias de Coimbra e Lisboa manifestaram-se intensamente contra a monarquia. Fazia-se a denúncia da corrupção política.

O Semanário Ultimato escrevia então, de forma exaltada, sobre o rei: «Ele não pode ser morto. Portugal, o velho herói magnífico, não lhe pode enterrar a espada gloriosa nas profundezas do estômago nem pode descarregar-lhe na arcada do peito uma das suas espingardas honestas. O melhor será, quando os canhões começarem aos urros e o sangue principiar a correr, metê-lo numa das gaiolas centrais do Jardim Zoológico, fazer-lhe ali uma cama de palha e deixá-lo ficar muito tranquilo e muito descansado. (escrito por António José de Almeida, então aluno de Medicina)

Guerra Junqueiro escreve o contundente poema O Caçador Simão que mais tarde alguns disseram ter sido mais um incitamento ao regicídio. (Simão era o último nome do monarca - Carlos Fernando Luís Maria Vítor Miguel Rafael Gabriel Gonzaga Xavier Francisco de Assis José Simão)

O Movimento do 31 de Janeiro no Porto é fruto desta exaltação.

As manifestações patrióticas tomam rapidamente o cariz de propaganda republicana. E por todo o lado se ouvia «Abaixo os Bragança!»

Portugal ainda tentou, por via diplomática, alguns apoios nos países como Alemanha, Itália, Espanha, EUA França e Rússia, mas todos lhe viraram as costas como que a dizer «É assunto vosso, tratem dele como entenderem.»

A PORTUGUESA

É então que Alfredo Keil, animado dos mais elevados sentimentos patrióticos, compõe na noite de 12 de Janeiro, a marcha A Portuguesa então para canto e piano. No ano seguinte, os revoltosos de 31 de Janeiro proclamaram a república no Porto ao som da nova marcha.

Conta-se que compôs a letra num dia e que de madrugada foi a correr a casa do seu amigo Henrique para então se juntar a letra, dizendo-lhe: «o meu desejo era que cada compasso musical correspondesse na letra o sentimento que a ditou! Convém não deixar arrefecer o entusiasmo do povo. Que ele a aprenda de cor quanto antes e a adopte como um canto de reivindicação nacional.»

A inspiração baseia-se no fado, canção de melancolia, no hino da Maria da Fonte e em A Marselhesa (hino da França) canto de revolta contra o despotismo da monarquia.

A iniciativa da marcha nacionalista surgiu num jantar de amigos que frequentavam a Tabacaria Costa ao Rossio e o estabelecimento do editor musical Neupart, onde se encontravam Alfredo Keil, António Ennes, António Lamas, o duque de Palmela, Fernando Caldeira, Hygino de Sousa, Rafael Bordalo Pinheiro, Sebastião de Magalhães Lima e Teófilo Braga, entre outros.

A Portuguesa teve distribuição gratuita com uma tiragem de 12.000 exemplares. Depois mais edições num total de 22.000 exemplares. O projecto gráfico foi do próprio Alfredo Keil. A marcha foi rapidamente traduzida na Alemanha, Espanha Itália e Rússia. A revista O Ocidente nº 405 de 21 de Março inclui uma edição especial de A Portuguesa e um dossier sobre os seus autores.

Em plena monarquia de D. Carlos o novo hino era cantado na rua, mas proibida oficialmente e muitas vezes motivo de grandes refregas.

Foi preciso aguardar mais uns anos para que o ciclo do regime monárquico desse lugar à República, a 5 de Outubro de 1910.

Até esse dia, A Portuguesa esteve proibida de ser tocada em público. Em 1911 é adoptada pela nova Constituição como Hino Nacional da República Portuguesa.

A mesma Assembleia Constituinte de 19 de Junho de 1911, que aprovou a Bandeira Nacional proclamou A Portuguesa como Hino Nacional. Era assim oficializada a composição de Alfredo Keil e Henrique Lopes de Mendonça que, numa feliz e singular aliança de música e poesia, respectivamente, conseguira interpretar em 1890, com elevado sucesso, o sentimento patriótico de revolta contra o ultimato que a Inglaterra, em termos arrogantes e humilhantes, impusera a Portugal.

A 4 de Outubro de 1907, três anos e um dia antes de ser proclamada a República, Alfredo Keil morre, em Hamburgo, vítima de doença estranha. Contava apenas 57 anos e deixou inacabada a ópera Índia, que começara a compor para as comemorações da chegada de Vasco da Gama à Índia. O seu enterro foi uma grande manifestação de pesar em Portugal e muito sentida na Europa.

Em 1956, constatando-se a existência de diversas variantes do Hino Nacional português, não só na linha melódica, como até nas instrumentações, especialmente para banda, o Governo nomeou uma comissão encarregada de estudar a versão oficial de A Portuguesa, a qual elaborou uma proposta que, aprovada em Conselho de Ministros em 16 de Julho de 1957, é a que actualmente está em vigor.

OUTROS HINOS NACIONAIS

No 10 de Junho de 1997, António Alçada Baptista, na qualidade de comissário do Dia de Portugal, lançou a questão da necessidade de rever o nosso Hino Nacional substituindo a sua letra por uma menos bélica. A sugestão teve alguma repercussão e polémica.

Tive curiosidade em saber como eram as letras de outros hinos europeus e depois a curiosidade levou-me ao mundo árabe e à América do Sul.

Se apelar a “marchar contra os canhões” pode parecer loucura, é sabido que os canhões substituíram os «bretões» os do Ultimato, como se sabe.

Vamos ver o belicismo de outros hinos.

Um Hino Nacional, na minha opinião não deve ser dissecado como uma peça num laboratório. É um símbolo, como a bandeira, não deve mudar ao sabor dos tempos. Vale acima de tudo pelo momento em que foi escrito, como outros valem também por terem sido alterados quando o momento político o justificou como é o caso da Espanha, que, caído o franquismo só em 2007 teve um hino com nova letra, ganha num concurso nacional. (Paulino Cubero um desempregado manchego de 52 anos pode assim, quase sem saber entrar na História de Espanha.)

Do que li posso acalmar as consciências dos mais apologistas da mudança, porque as letras dos hinos não sendo odes ou trechos de poesia ou simples desejos de felicidade para o Imperador (como o do Japão) foram quase todos fruto de momentos de libertação como o da Grécia, com centenas de estrofes, país enfim liberto do jugo otomano.

Não querendo alongar-me muito achei que estas observações sobre os outros hinos podem ser um ponto de partida para uma futura polémica sobre as letras dos Hinos Nacionais:

África do Sul o texto diz: «unidos lutaremos pela liberdade» belo para quem lutou por essa liberdade tão trágica.

Albânia – «Unidos em torno da bandeira com um único desejo e intenção. Deixem-nos dar a nossa palavra de honra de que combateremos pela nossa salvação… manter-nos-emos de armas na mão para proteger a Pátria»

França – em A Marselhesa traduzindo «Às armas cidadãos/Formai os vossos batalhões/Marchemos, marchemos/Nossa terra do sangue impuro se saciará» e mais adiante «Somos todos soldados para combatê-los/Se os nossos jovens heróis caem/A França outros produz/Contra vocês, totalmente prontos para combatê-los».

Egipto: «Egipto! Ó mãe de todas as terras /Tu és a minha esperança e a minha ambição/Quem pode avaliar/ As bênçãos do Nilo para a humanidade? E mais adiante «Na guerra e na paz nós te damos as nossas vidas»

Cuba – «Que morrer pela pátria é viver» e mais adiante «Cuba Livre! Espanha já morreu, seu poder e seu orgulho aonde foram?»

China – «Nós, os milhões de corações que batem em uníssono/Em desafio ao fogo inimigo, marcharemos!

Em conclusão

O nosso hino é harmonioso, belo, forte e vibrante. Foi escrito e composto por imperativos patrióticos por dois homens que viveram o momento na pele, o que lhe dá a força da autenticidade.

Luísa V. de Paiva Boléo

(*) Historiadora e investigadora.

Autora de D. Maria I. A Rainha Louca, Esfera dos Livros, 2009

Revisto em

2010-02-22

(Solicita-se a menção da autoria)