25 de agosto de 2009

HISTÓRIA DA FREGUESIA DE SÃO MAMEDE DO SÉCULO XII AO SÉC XXI


A antiga freguesia de S. Mamede que existiu, pelo menos desde 1190, na encosta do Castelo e cuja igreja paroquial ficava na actual Rua de S. Mamede, deixou de existir nesse território em 1769, sendo transferida para o Vale do Pereiro, onde lhe foi delimitado um novo território e teve nova sede paroquial, junto a Rua Nova de S. Mamede.
Após a conquista de Lisboa, em 1147, ficou esta zona integrada na paróquia dos Mártires. As mais antigas referências conhecidas dizem respeito a vinhas na Cotovia e Vale do Pereiro, em 1337.

Em 1363, quando o exército do rei Henrique de Castela pôs cerco a Lisboa, provocou devastações por estas bandas, depois de atravessar Valverde (o vale da Avenida) e se instalar no Convento de S. Francisco.
Também em 1384, desta vez as hostes de D. João de Castela por aqui causaram estragos, como nos conta Fernão Lopes: «E chegou acerca dela a um alto monte, a que ora chamam Monte Olivete, e esteve ali grande parte do dia; e muitos dos seus andavam entretanto cortando arvores e vinhas e fazendo todo o dano que podiam».

SÉCULO XVI - AS QUINTAS E O NOVICIADO DA COTOVIA

A Quinta do Monte Olivete, situada do lado direito do caminho da Cotovia, era de Fernão Teles de Meneses, em meados do século XVI. Do lado oposto ficava a Quinta de André Soares, cujos descendentes se uniram aos Noronha e constituíram uma grande propriedade em toda a encosta até ao vale de S. Bento.
O Caminho da Cotovia que passava entre aquelas duas quintas, desembocava num largo (depois chamado do Rato), onde convergiam outros caminhos: o do Salitre, o dos Olivais de S. Bento e o caminho para a Ribeira de Alcântara (Rua do Sol ao Rato). Em 1557, foi criada a freguesia de Santa Catarina, com território destacado dos Mártires e, em 1567, a freguesia de S. José, separada de Santa Justa. Estas duas freguesias repartiam entre si o território da futura freguesia de S. Mamede, segundo uma linha divisória que seguia justamente o já referido caminho da Cotovia.
Ao findar o século XVI, procuravam os padres da Companhia de Jesus um lugar adequado para fundar um noviciado. Depois de ponderarem as vantagens e inconvenientes de uns vinte sítios, decidiram-se pelo Monte Olivete, uma propriedade que fazia parte do dote de Fernão Teles de Meneses deixada em 1598 e que reunia as condições desejadas. Lançados os alicerces em 1603, em 1616 ficaram as obras concluídas. Os primeiros noviços entraram em 1619 e ali continuou esta importante casa religiosa, com uma cerca enorme até ao Rato e Salitre, por muitos anos até à extinção da Companhia de Jesus, em 1759.

OS CONVENTOS SEISCENTISTAS

Contando com o Noviciado da Cotovia, foram cinco as casas conventuais que se estabeleceram nesta área, durante o século XVII e início do século XVIII.
Antes de 1710, vieram estabelecer o seu convento os Padres da Congregação de Oratório de S. Filipe de Nery. As suas casas e propriedade foram, depois de 1755, a Quinta e Pátio do Geraldes e resistiram até 1936, quando foi urbanizado o quarteirão entre a Rua Castilho e Rua Rodrigo da Fonseca. O outro convento foi o de Nossa Senhora da Conceição dos Cardais, hoje fora dos limites da freguesia, que data de 1681-1703.

O AQUEDUTO E A FÁBRICA DAS SEDAS

O século XVIII veio trazer grandes transformações a S. Mamede, ainda antes do terramoto de 1755. Por volta de 1720, começaram a ser construídas casas no Largo do Rato, em terrenos aforados pelas freiras trinas do vizinho convento. No limite oposto da freguesia (hoje Praça do Príncipe Real) tiveram inicio, em 1728, as obras do palácio do Conde de Tarouca, nunca concluídas e sobre cujos alicerces se edificou a Basílica Patriarcal, inaugurada em 1756.
Uma das mais imponentes obras joaninas, o Aqueduto das Águas Livres, estava então a ser construído (1713-1748), terminando a freguesia de S. Mamede.
Em 30 de Outubro de 1744, a água correu pela primeira vez num improvisado tanque no Rato, tendo-se juntado cerca de seis mil pessoas para assistir ao memorável acontecimento. Em 1748, foi erguido um arco triunfal para celebrar o «ingresso das águas na cidade» – o Arco das Amoreiras.www.fasvs.pt
A Mãe-d’Água, iniciada em 1744 só ficou concluída em 1834 e ainda teve obras em 1859 Quanto ao Chafariz do Rato (1753-1754), obra atribuída a Carlos Mardel, está no lugar actual desde 1794.
Em terrenos da Quinta de D. Rodrigo de Noronha, perto do Rato, instalou-se em 1738 a Fábrica das Sedas, que teve as suas primeiras instalações na Fonte Santa (1734) e Rua de S. Bento (1737). Inaugurada em 1741, a nova fábrica contava em 1744 com 28 oficiais e 70 aprendizes.
Em 1749, foi construído um bairro operário de que restam duas moradias na Rua Maestro Pedro de Freitas Branco.

DEPOIS DO TERRAMOTO DE 1755

Em 1759, segundo plano de Carlos Mardel, começou a urbanização daquele espaço a poente dos arcos do Aqueduto, constituindo-se um bairro industrial, o Bairro dos Fabricantes. Além das várias unidades fabris e das habitações operarias, formou-se um verdadeiro núcleo de formação profissional, o Real Colégio das Manufacturas.
A Real Fábrica das Sedas, criada em 1757 pelo marquês de Pombal passou a dispor de outro amplo edifício no Bairro dos Fabricantes, onde em 1764 se instalou a Fábrica dos Pentes e em 1765, a Fábrica dos Relógios, havendo também outras manufacturas como chapéus, botões, cutelarias, lacres, vernizes, etc.
A Fábrica de Louça do Rato foi fundada em 1767, entre o bairro e o Largo do Rato. A Irmandade dos Fabricantes de Seda mandou construir a ermida de Nossa Senhora de Monserrate, no vão de um arco do Aqueduto, em 1768. Três anos depois procedeu-se a arborização do Largo com Amoreiras, que deram o nome à praça, e ao sítio.

A Basílica Patriarcal que, como já vimos, tinha sido inaugurada em 1756, foi destruída por um incêndio em 1769. Tinha sido fogo posto e encontrou-se o culpado, que foi supliciado no local do crime (garrotado e queimado vivo). Ao sítio passou a chamar-se a Patriarcal Queimada.
As novas edificações sucediam-se, promovidas pelo Estado ou por particulares, sendo nesta zona que a burguesia pombalina mandou edificar os seus palácios: o Palácio Alagoas (1757-1762), da família Cruz-Alagoa; o Palácio Ceia (c.1760), construído por Rebelo de Andrade; o Palácio dos Guiões (1767), do desembargador Romão José da Rosa Guião. As casas nobres dos Noronhas foram adaptadas para a instalação, em 1768, da Régia Oficina Tipográfica, depois designada Imprensa Nacional (1833).

A CRIAÇÃO DA FREGUESIA

Por carta régia, de 18 de Dezembro de 1769, foi a paróquia de S. Mamede transferida para o seu novo distrito, ficando como sede provisória a ermida de Nossa Senhora Mãe dos Homens (fundada em 1749), em Vale do Pereiro (na confluência das actuais Rua Braamcamp e Rua Alexandre Herculano).

A remodelação das freguesias de Lisboa, oficializada em l770, fez uma primeira delimitação do território de S. Mamede, que foi alterada em 1780, ficando então com os limites que actualmente mantém, aproximadamente. Parece-nos interessante transcrever o documento de demarcação em 1780:

«Terá princípio o distrito desta Paróquia, transmutada para o sítio do Rato, na Esquina Ocidental da Calçada das Flores que desce à Praça da Alegria, caminhando pelo lado direito para o Real Colégio dos Nobres; e descendo pela Rua de S. Marçal, voltará pela Travessa de Santo António, Travessa do Arco até sair na Rua de S. Bento; e desta, levando todo o lado Oriental, voltará por ambos os lados até à Praça do Rato, Convento das Religiosas Trinas de Campolide, subirá pela Estrada que vai a S. João dos Bem Casados; e seguindo a mesma até à que volta para Campolide, somente da parte Oriental desta, discorrerá pelo lado Meridional de outra que vem sair a Vale de Pereiro; passando junto do Abarracamento deste sítio, irá buscar a Rua do Salitre, e continuará pela nova Rua que sobe defronte das Casas dos herdeiros de José Francisco da Cruz, donde voltará para o Real Colégio dos Nobres, onde acabará a sua circunferência».

No território assim definido, moravam nesse ano de 1780, 3786 pessoas em 749 fogos.
Em 1782 começou a ser construída a nova igreja, para onde passou a sede paroquial em 1783, mas cujas obras se prolongaram por muito tempo.
Nesse período, foram construídos mais alguns palácios, como por exemplo o Palácio Praia (1784) e o Palácio Palmela (1792), mas a grande novidade urbanística nesta zona foi, sem duvida o Bairro da Cotovia ou do Pombal, edificado por iniciativa de uma «Companhia Reedificadora», a partir de 1760 na encosta poente da antiga estrada da Cotovia até à Rua de S. Bento e entre a Patriarcal Queimada e o Solar dos Noronhas (em que existia um pombal que deu nome ao sítio).
Este foco de urbanização contribuiu largamente para o aumento populacional que se observava em 1798. A freguesia de S. Mamede contava 1182 fogos e cerca de 6370 habitantes.

S. MAMEDE NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XIX

Depois de um movimentado século XVIII, a freguesia de S. Mamede conheceu um período de alguma estagnação até meados do século XIX.
Através de uma cronologia, podem evidenciar-se os acontecimentos mais significativos na primeira metade do século XIX:
1801 - População: 6.370; Fogos: 1.187.
1805 – Construção do Arco de S. Mamede.
1810 - No pátio do Gil (Rua de S. Bento), nasce Alexandre Herculano.
1817 - Preso Gomes Freire de Andrade na sua casa da Rua do Salitre.
1820 - População: 5.200; Fogos: 1.208.
1822/42 - Obras de remodelação do Palácio Palmela.
1825 - Lançados os caboucos do Erário Novo, na Patriarcal Queimada.
1833 - População: 5.360; Fogos: 1.224.
1835 – Fim da Fábrica de Louça do Rato.
1837 - Extinção do Colégio dos Nobres e criação da Escola Politécnica.
1839 - Capela de Nossa Senhora da Bonança (Capela do Rato).
1840 - Popu1ação: 3.946; Fogos: 1.035.
1843 - Incêndio no Colégio dos Nobres.
Feira das Amoreiras.
1853 - Colégio Luso-Britânico (Palácio dos Guiões).
1855 - Botequim de Domingos Martins (Flor do Rato).
1860 - Inaugurada a carreira de omnibus(sic) Rato-Santa Apolónia.
1861 - Aberta ao culto a Igreja de S. Mamede.
1863 - Observatório Astronómico do Monte Olivete.
Palacete Fontalva.
Reservatório de água da Patriarcal.
1864 - População: 4.922; Fogos: 1.331.
1867 - Esquadra da Polícia, no Rato.
1873 - Jardim Botânico.
1877 - Palácio Ribeiro da Cunha.
1878 - População: 6.268.
Conclusão das obras na Escola Politécnica.
1879 - Pátio do Monteiro.
1880/96 - Teatro do Rato.
1890 - População: 7.789; Fogos: 1.663.
Vila Bagatela.
1897 - Incêndio na Real Fabrica das Sedas (Rato).
1899 - Palácio Mayer.
1900 - População: 8.102; Fogos: 1.719.

DO INÍCIO DO SÉCULO XX AOS NOSSOS DIAS

À entrada do século XX, a freguesia de S. Mamede via desaparecer rapidamente o que restava das quintas a norte do seu território.
Com a abertura da Rua Alexandre Herculano, Rua Castilho, Rua Rodrigo da Fonseca, desapareciam as azinhagas de Vale Pereiro e de Lázaro Verde e os arrabaldes rústicos de há pouco, eram preenchidos por palacetes e moradias ao gosto ecléctico de fim de século, como por exemplo: Casa Ventura Terra (1902), Sinagoga (1902-1904), edifícios geminados da Rua Braamcamp, 84 e 88 (1907) ou a Garagem Auto-Palace (1906), com elementos Arte Nova.
Em 1921, um incêndio destruiu completamente a igreja de S. Mamede, logo reconstruída e reaberta ao culto em 1924.
O Instituto de Investigação Científica Bento da Rocha Cabral data de 1925. O Mercado 1º de Dezembro (ao Rato) foi inaugurado em 1927. Quanto ao Parque Mayer tinha sido inaugurado em 1922.
Entre 1930-1940 foi aberta a Rua de Artilharia Um, substituindo a velha estrada de Entremuros. Na mesma altura procedia-se a modificações na Praça do Brasil (Largo do Rato) e construiu-se o conjunto de edifícios Art Deco e modernismo radical no quarteirão entre a Rua Nova de S. Mamede e Rua do Salitre.

Com a remodelação administrativa de 1959, a freguesia ficou com os limites que mantém actualmente e desde os anos 60-70 que a terciarização avança imparavelmente. Nos últimos anos, assiste-se à instalação de edifícios que requerem localização de prestígio por parte de bancos, hotéis, companhias multinacionais que estão a modificar radicalmente a face da freguesia.

Texto retirado do livro de Carlos Consiglieri, Filomena Ribeiro, José Manuel Vargas e Marília Abel, Pelas Freguesias de Lisboa - de Campo de Ourique à Avenida; Santo Condestável; Santa Isabel; São Mamede; Coração de Jesus, vol 3., Biblioteca da Educação da CML de 1995.(Resumo de Luísa de Paiva Boléo)

Um comentário:

  1. Boa tarde!
    Sou filha de S. Mamede (feita, nascida e criada) e gosto imenso desta freguesia e do meio que a envolve.
    Tenho pena que ao longo de vários anos não tenham apostado na classe jovem e mais idosa, existem mil e uma coisa que se pode fazer e construir nesta freguesia, espero que consiga faze-lo, não só pela freguesia mas por todos nós moradores ou visitantes.

    Tenho formação em história e muito me agrada todos estes locais que fala, em particular do antigo Noviciado que é o meu local de trabalho, espero que até este local com tantas histórias seja preservado.

    Boa sorte para o dia 11

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