3 de outubro de 2009

A CALÇADA PORTUGUESA

Com algum atraso aqui fica este texto do nosso camarada Rhodes Sérgio que esperamos seja um ponto de partida para outras abordagens sobre o que realmente interessa a São Mamede.
Está aberto o debate. Contamos que este
blog continue depois do dia 11 de Outubro de 2009.

A CALÇADA PORTUGUESA E A CIDADE IDEAL

Caríssimas e Caríssimos Camaradas e Amigos,

A Intervenção descontraída do António Costa, no jantar de apresentação dos candidatos às próximas eleições em Lisboa em algumas Freguesias incluindo S.Mamede realizado na passada terça-feira, quando de forma desabrida disse e justificou que tínhamos de ter complacência na destruição de alguma calçada Portuguesa para a substituir em muitos passeios da Cidade, não sei bem porque materiais, tem a minha modesta e total oposição.

Nos meus conceitos de conservação de Cidades com mais de 2.000 anos não cabe uma crescente indiferenciação, como está a acontecer pelo País fora.As intervenções ao abrigo do Programa Polis, em que o Governo do PS tanto se empenhou para que tivesse bons resultados, com muita da sua arquitectura pseudo-Sizista, têm vindo a criar partes de cidades todas iguais, sem ligação quer à história material de cada local quer à arquitectura dominante ou até envolvente.Os pavimentos minimalistas da Praça da República de Tavira, da Praça do Mercado de Albufeira da marginal de Armação de Pera, da Praça Central de Serpa são do mesmo material da Praça da Figueira em Lisboa, e outros destes exemplos são inúmeros.

Lisboa, que recebe por ano centenas de milhar de turistas que contribuem para incontáveis empregos, não pode ser “actualizada” para servir apenas alguns dos que cá vivem, mas também pensada para atrair os que cá vêm, respeitando as heranças dos que viveram antes de nós e o seu património. A Cidade deve ser para todos, independentemente de ser responsabilidade dos Socialistas encontrar formas racionais de carinho para com os mais frágeis, sendo sem dúvida muitos dos mais novos e dos mais velhos a fatia maior deste bolo, mas na conservação do Património da Cidade os Socialistas têm que saber deixar o selo Europeu que Mário Soares desenhou na assinatura do tratado de adesão à CE. De que serve “tratar” dos passeios, se no Inverno escorregadio não é possível circular de chapéu de chuva aberto pois não há espaço para eles entre as fachadas dos prédios e os postes plantados de dez em dez metros, sob pena dos idosos voltarem para casa com uma pneumonia?

Vivo aqui há 64 anos, não andei de autocarro a 1ª vez para ir à Faculdade, pois comecei por ir a pé para a Rua da Escola Politécnica..., num tempo em que na minha Família (agregado de 6 pessoas) ainda não havia carro e por isso sei bem até aos dezasseis anos o que foi passear, em especial com os meus Avós, por toda a Cidade, a pé e de eléctrico, e não tenho memórias negras da burguesia com as mãos em alvos tornozelos a tentar salvar as capas dos tacões nos intervalos das calçadas de calcário, lioz e basalto.Como não temos censos disponíveis dos anos 40 e 50 não sabemos qual a composição etária da população para a comparar com a situação de hoje e extrapolar para análises de resultados sobre comportamentos de risco resultantes das condições estruturais das redes pedonais actuais. Mas, até arrisco dizer que, se calhar, há escorregadelas mais graves nos lambrins rampeados de hoje do que nos passeios mais íngremes da Cidade.

Também quero acreditar numa genuína vontade Socialista de revitalização do tecido social da Cidade para que amanhã as minhas Filhas e Netas aqui continuem a viver, como hoje, contrariando o nosso envelhecimento demográfico. E lutarei para lhes deixar uma Cidade com história e com memórias vivas, embora reconheça que é uma causa com muita probabilidade de vir a ser perdida pela necessidade dos Autarcas em apresentar obra a uma população pouco preparada para apreciar a defesa do património em geral e não apenas do edificado, e muito mais disponível para reclamar e aplaudir o apoio monetário, sectário e calculista de um Presidente de Câmara, como o Santana fez com os terrenos oferecidos ao Benfica.E já agora, quero dizer-vos que a minha sogra que tem 92 anos quase todos os dias dá a volta ao quarteirão, descendo a São Filipe Nery e subindo a Rodrigo da Fonseca e a Venceslau de Morais, acompanhada da sua bengala numa mão e das compras na outra, objecto aquele de que não me envergonharei em usar quando dele vier a precisar.A foto a seguir, da esquina da Rodrigo da Fonseca com a Wenscelau de Morais, que morfologicamente retrata o caso apresentado pelo António Costa no Chiado é um exemplo de como se criaram condições de circulação pedonal segura numa zona acidentada, sem necessidade de miscigenações com mais materiais contemporâneos, para além dos que são mesmo indispensáveis.

A Cidade tem constrangimentos estruturais, que não têm solução Académica, e que nunca poderão proporcionar igualdades de oportunidade a todos os seus habitantes.Tenho convivido nos últimos anos com as consequências da chegada sucessiva ao Mundo dos meus Netos e Netas, e tive que aprender o “caminho das pedras” para os ir passear de cadeirinha até ao Jardim das Amoreiras, nada me servindo lamuriar ou reclamar por soluções radicais que sirvam numa bandeja dourada o objectivo de rejuvenescer Lisboa com jovens habitantes.

Apetece-me até fazer uma provocação a todos vós sobre a cultura consumista das coisas novas, usadas hoje por tudo o que é sítio, em tanto mobiliário urbano interior e exterior, justificado em muitos casos sob a capa de apoio ao “crescimento” económico, embora muito à custa do “made in China”, criador de dívida externa....

Já visitaram os Museus dos antigos Serviços Geológicos de Portugal situados na Rua da Academia das Ciências, mesmo aqui a dois passos de São Mamede (horário da Função Pública)?

Pois bem, se lá forem, apreciem como mesmo debaixo dos vossos narizes podem fruir da extrema beleza dos materiais do neolítico final e do calcolítico que constituíram o mobiliário funerário dos habitantes das Penínsulas de Lisboa e de Setúbal naquelas épocas, ainda expostos em largas mesas cobertas de vidro, como hoje já não se usa, e comparem o resultado da apreensão do vosso conhecimento e da vossa “relação” com os materiais expostos, com outros núcleos expositivos mais modernos do mesmo contexto que já tenham visitado.

E já gora, quando forem a descer ou a subir, a Rua do Século, não deixem de estar atentos ao encontro com o nº 123 - Convento dos Cardais (visita guiada da parte da tarde), e não deixem de também o visitar.

Todos sabemos que o Estado Novo isolacionista criou pobreza, analfabetismo e conduziu à imigração em massa, e esta trouxe-nos a cultura das “maisons” espalhadas a eito pelo País, e também por isso infelizmente não abundam os núcleos aconchegados e coerentes como, por exemplo, os de Monsaraz ou de Monsanto.Nem quero pensar no que seria o aspecto deste País se tivéssemos entrado na segunda grande guerra e bombardeados como aconteceu com tantas Cidades Europeias.Mesmo com o TGV, que já devia estar adjudicado, e com os low coast, vamos continuar periféricos para a Europa Central e precisamos de preservar o que ainda não está descaracterizado para que a nossa oferta cultural se potencie, com cada macaco no seu galho.Já chega a casca da obra de regime do Cavaco frente aos Jerónimos. E se forem ao Castelo, vejam como aquilo é, como por exemplo na Rua da Calçada do Marquês de Ponte de Lima, um troço em calçada de basalto sem saída nas extremidades, onde só se acede por duas largas escadarias com um corrimão ao meio, uma para cima e outra para baixo, onde um carro não tem acesso e onde garantidamente vive gente, pois tinha lá só morando uma Filha e agora também já lá tenho uma Neta.Nos planos muito inclinados das colinas onde foram esculpidas escadas em vez das alegorizadas “pistas de calçada Portuguesa para skate”, ninguém escorrega!

Para terminar, não posso deixar de abordar e questionar a oportunidade do elenco da prioridade desta acção face aos desafios económicos com que nos vamos continuar a confrontar, quando cada vez mais as Autarquias são solicitadas para intervir em crescentes apoios sociais e, quando a OCDE prevê que vamos ter cerca de 600.000 desempregados em 2010. As rubricas do orçamento Camarário do novo Executivo de Lisboa é que devem merecer uma sólida discussão nestes ambientes partidários abertos, para que o PS na CML dê resposta eficaz ao diálogo entre os executivos das Freguesias e os seus Fregueses.

Desculpem este longo desabafo, mas como tenho as quotas do PS em dia desde Dezembro de 1974, acho que não respeito a minha condição de Lisboeta que quer Unir Lisboa, se tiver medo de dizer o que penso, mesmo que isso vá ao desencontro com as ideias do António Costa e de alguma da sua “entourage”.

Saudações Socialistas,

Rhodes Sérgio

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